quinta-feira, setembro 08, 2005

São sete da manhã, desde as quatro que a insónia me faz companhia

PNUD: 1.200 crianças morrem por hora, devido à pobreza

No mundo morrem por mês cerca de 900 mil crianças devido à pobreza, o equivalente a três tsunamis idênticos ao que atingiu o sudeste asiático em Dezembro passado, destaca o relatório do Desenvolvimento Humano de 2005.

São 1.200 crianças em cada hora, diz a ONU no documento deste ano do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), marcado pelo pessimismo e a assumpção de uma realidade: «está a ser quebrada» a promessa feita em 2000 (Declaração do Milénio) aos pobres do mundo de em 15 anos reduzir a pobreza para metade.

A poucos dias da Cimeira da ONU deste ano, o relatório de 2005 do PNUD avisa logo na introdução que não há muitos motivos para celebrações e que a leitura do documento «é deprimente», tal a constatação das assimetrias que se continuam a verificar entre países ricos e pobres.
Aos países que precisamente dentro de uma semana (14 a 16 de Setembro) se reúnem em Nova Iorque o documento deixa um aviso: 2005 marca uma encruzilhada - ou os países fazem deste ano o início de uma década para o desenvolvimento ou deixam tudo como está e fazem de 2005 «o ano em que a promessa da Declaração do Milénio é quebrada».

O relatório de Desenvolvimento Humano deste ano foca essencialmente três questões: a ajuda ao desenvolvimento, o comércio internacional e a segurança.
Em qualquer dos casos boas políticas podem ajudar os países mais pobres e salvar milhões de vidas. Mas a ONU não é optimista. No primeiro relatório, há 15 anos, fizeram-se previsões optimistas quanto ao desenvolvimento humano mas hoje já se admite que há o perigo de nos próximos 10 anos, como nos últimos 15, o progresso seja muito menor do que o esperado.

Mas nos últimos 15 anos, diz a ONU, conseguiram-se ainda assim progressos.
Nos países em desenvolvimento as pessoas estão mais saudáveis, mais instruídas e menos empobrecidas. Desde 1990 a esperança de vida nesses países aumentou dois anos, há menos três milhões de óbitos de crianças por ano e há mais 30 milhões de crianças que vão à escola.

A ONU não subestima que 130 milhões de pessoas escaparam à pobreza extrema. Mas também não subtrai que em 2003 18 países, englobando 460 milhões de pessoas, tiveram resultados mais baixos no índice de desenvolvimento humano do que em 1990.
«No meio de uma economia global cada vez mais próspera, 10,7 milhões de crianças por ano não vivem para ver o seu quinto aniversário e mais de mil milhões de pessoas sobrevivem numa pobreza abjecta, com menos de um dólar por dia», lê-se na introdução do relatório.
Mas há mais comparações «abjectas».
Um quinto da humanidade vive em países onde muitos nem pensam duas vezes antes de dar dois dólares por um café. Outro quinto vive em países em que muitos têm menos de um dólar por dia para viver e as crianças morrem por falta de uma rede mosquiteira.
Hoje, quem vive na Zâmbia tem menos possibilidades de chegar aos 30 anos do que uma pessoa que tenha nascido em Inglaterra em 1840.
Hoje, juntando as 500 pessoas mais ricas do mundo obtém-se um rendimento superior ao conseguido por 416 milhões de pessoas mais pobres.
Com tudo isto, o relatório deixa um aviso: «Falando sem rodeios, o mundo está a encaminhar-se para um desastre fortemente anunciado do desenvolvimento humano, cujos custos se contarão em mortes evitáveis, crianças que não frequentam a escola e perda de oportunidade para a redução da pobreza».
Mas as diferenças não são apenas entre países. Acentua a ONU que há muitas outras diferenças internas a entravar o desenvolvimento humano.
No México, por exemplo, há zonas com taxas de alfabetização idênticas às dos países desenvolvidos mas também, nas zonas pobres, taxas comparadas às do Mali, um dos países mais pobres do mundo.
E na Índia a taxa de mortalidade de crianças com menos de cinco anos é 50 por cento mais elevada nas raparigas.
Para resolver estes problemas mais e melhor ajuda internacional é fundamental, diz o relatório. Mas acrescenta que no total os países ricos gastam anualmente em ajuda 0,25 por cento do seu rendimento nacional bruto. Menos do que em 1990.
Por cada dólar gasto em ajuda, os países ricos gastam 10 em orçamentos militares, diz a ONU, acrescentando outra comparação: a despesa actual com a SIDA, uma doença que custa três milhões de vidas por ano, representa o valor de três dias de despesas militares.
«Os sete mil milhões de dólares necessários anualmente, durante a próxima década, para prover o acesso a água limpa a 2,6 mil milhões de pessoas são menos do que os Europeus gastam em perfume e menos do que os Americanos gastam em cirurgias plásticas». Aquele investimento pouparia cerca de 4.000 vidas por dia.
Além da ajuda dos países ricos também o comércio, com regras justas, poderia promover o desenvolvimento. Mas como, pergunta a ONU, se os países ricos gastam mais de mil milhões de dólares por ano em ajudas à agricultura dos países pobres e quase o mesmo por dia para subsidiar o seu excesso de produção agrícola? E aquelas barreiras ao desenvolvimento do mundo, somam-se os conflitos armados, que por regra eclodem nos países pobres.
A título de exemplo, o recente conflito na República Democrática do Congo provocou directa ou indirectamente mais mortes do que as sofridas pela Inglaterra na I e II guerras mundiais.
Com tantos estrangulamentos nas três áreas (ajuda, comércio e conflitos), o até Agosto administrador do PNUD, Mark Malloch Brown, considera 2005 o ano de opções para os países do mundo, com os países que se reunirão em Nova Iorque na próxima semana a poderem optar por passar das promessas à acção e erradicar a pobreza extrema do mundo.
«É uma oportunidade que não podemos dar-nos ao luxo de desperdiçar», avisa.

Diário Digital / Lusa
07-09-2005 10:05:00